Sócrates (469-399 a. C.), um dos maiores filósofos da humanidade, ao examinar o que significa tornar-se humano, tinha por objetivo não mais a ciência ou a natureza, mas o homem. Ele ensinou que pecar é ignorar, e que a purificação da alma passa necessariamente pelo autoconhecimento do homem. Ele introduziu o homem interior na filosofia.
Conforme Sócrates o único meio de realizar a mais importante missão do homem: o conhecimento de si mesmo. Ao identificar a virtude com o conhecimento, Sócrates formularia a sua mais polemica reflexão, a de que ninguém erra – ou faz mal – voluntária ou conscientemente. Explica-se: não sendo nenhuma irracionalidade deliberada, se alguém pratica o mal, isso se deve á ignorância dos valores éticos. Mas o homem deve considerar que a virtude (sem a qual a ignorância e o mal triunfam) dificilmente pode ser ensinada por estar latente na alma; portanto, só é alcançável pelo exame rigoroso que cada pessoa deve fazer de si mesma, condição básica para sua existência ser considerada digna.
O método socrático de argumentação – ou se preferir, de ensino – significa a tentar extrair das pessoas as respostas que elas (supostamente) não têm, fazendo-as encarar a própria ignorância, pode levá-las ao paradoxo socrático de, conformando-se com ela, se sentirem sábias. Por isso é que, ao declarar-se ignorante – só sei que nada sei é o seu mote predileto.
Nada em excesso e Conhece-te a ti mesmo são conceitos básicos da filosofia do Sócrates. O mais sábio é sábio justamente por ter consciência da própria ignorância.
Dez lições do socratismo:
1 Cuide da alma
A alma, imortal, indestrutível e sempre renascida, razão, moral, espírito pensante e sede da consciência, é a manifestação do divino no homem. Preocupar-se com a alma sem descuidar do corpo, mantendo-o saudável e ágil, é afastá-la do perigo dos prazeres mundanos, fáceis e enfermos que embotam sentidos. O cuidado da alma só é perfeito com o autoconhecimento. O conhecimento purifica a alma, liberta-a das ilusões fáceis, do julgamento precipitado e passional do próximo.
2 Tome conta da sua vida
Tomar conta da própria vida é estar em harmonia com a vontade divina, que concedeu a cada pessoa a noção de deveres éticos perante si e perante a sociedade em que vive. A arte de viver passa necessariamente pela incansável missão de ver a vida como uma dádiva preciosa demais para ser descuidada.
3 A liturgia da amizade
O bom amigo é solidário na dor, mas principalmente cúmplice entusiasmado na alegria. Nenhuma outra forma de dialogo é mais elevada como a que ocorre entre amigos, mas só pode ser amigo verdadeiro quem se despe de tudo que superficial e passageiro nas relações humanas. O individuo isolado, sem amigos, indiferente ás relações humanas, pouco ou nada contribui para o aperfeiçoamento da sociedade em que vive.
4 A natureza do amor
O amor é a experiência que mais aproxima o homem do divino. Compreender a natureza do amor espiritual livra os amantes de desgostos, levando-os assim a usufruí-lo em toda a alegria e plenitude. Ao desejar o amor do outro, deve conhecer-se profundamente e não pretender privá-lo de nada que o impeça de ser ele mesmo. Amor também é renuncia, e ela deve existir quando ocorrem as despersonalizações dos amantes, quase sempre resultado da busca obsessiva pelo prazer físico, em vez do espiritual.Para que a relação amorosa não se transforme em fonte de frustrações e ódio, os amantes precisam tomar diversas cautelas – e é aí que entra o exercício da razão, dominando o julgo da paixão. Entre elas, a principal é afastar a inveja quando um deles está numa posição intelectual, social ou financeira mais alta, pois a inveja é o veneno que destrói os mais sólidos relacionamentos. Alguma coisa misteriosa lateja neles, sempre voltada a destruí-los – e é contra ela que os apaixonados precisam lutar incansavelmente. É ela que leva o amante a sentir alegria com a desgraça de quem ama, e igual tristeza com suas conquistas: um sentimento inexplicável que, nascido num lugar sombrio da alma, está alem da inveja.
5 O que é ser livre
A liberdade implica o domínio das paixões, sempre à espreita para desvirtua a conduta moral que brota no interior do individuo. O prazer sensual e a intemperança são outros inimigos da liberdade.
6 Quando transgredir é salvar-se
Nenhuma lei deve ser obedecida se for injusta, nenhuma regra deve ser obedecida se desprezar a virtude, nenhum regime político deve ser obedecido se for tirânico e assassino. O transgressor não é um inimigo da ordem social, mas amigo da sabedoria e da verdade. Portanto, aquele que transgride o que impede de viver bem está no caminho correto da salvação de si mesmo.
7 O individuo e o cidadão
Na mesma pessoa, cidadão e individuo podem ter uma convivência pacifica e enriquecedora – desde que o individuo desempenhe criticamente o papel de cidadão, ou seja, ultrapasse-o ao não se sujeitar às expectativas da comunidade, e principalmente ao se preservar de tudo que possa desviá-lo do caminho das virtudes de autocontrole, da coragem, da intuição e da sabedoria.
8 Não se leve a sério
Viver com seriedade e ao mesmo tempo não se levar a sério são conceitos complementares. Viver com seriedade significa ter caráter firme e incorruptível, ter opinião própria, amparada por argumentos racionais, e um profundo sentimento de vergonha que impeça a pratica de atos contrários à dignidade humana. É fácil reconhecer quem se leva a sério: é incapaz de um gesto de humildade, de admitir os seus erros.
9 Tenha somente o necessário
O homem que se conhece verdadeiramente mediante o exame e a pratica da virtude está livre da tentação de possuir bens materiais além dos estritamente necessários para viver. Se não, quanto mais tem, mais sente vontade de possuir, numa ânsia ilimitada de satisfazer-se sem o conseguir.
10 Viva a arte de morrer
Só quem não dedicou a vida a ver na morte a libertação da alma do corpo se atormenta com a sua chegada. Quem durante a vida se dedicou a examiná-la a cada dia vê na morte a suprema purificação: ela o separa sempre do corpo, fonte de sentimentos impuros contra os quais não mais precisará lutar, e tudo aquilo que o molestava. Por isso é que somente depois da morte, livre do entorpecimento do corpo, o homem atingirá o verdadeiro conhecimento: é a alma que o guiará, de forma pura, em direção ao discernimento da verdade.
Morrer exige aquela sabedoria que, brotando da coragem, anula o terror de mergulhar no desconhecido e de saber que com o fim dos infortúnios também se extinguira a memória das coisas terrenas. Preparar-se para a morte é o contrario da sua negação: é transformá-la numa companhia, tendo-a sempre presente na vida diária.